Para maior compreensão do texto a seguir, recomenda-se a leitura deste texto: “10 Mentiras que o Feminismo Liberal te Conta – E Você Acredita”
O discurso do feminismo liberal, centrado no “empoderamento” individual e na “liberdade sexual” como mercadorias consumíveis, revelou-se não apenas ineficaz na emancipação feminina, mas também incapaz de conter o avanço do conservadorismo. Ao reduzir a libertação das mulheres à performance da sexualidade – seja por meio da pornografia, da hipersexualização ou da indústria do sexo –, esse modelo acabou por reforçar, paradoxalmente, os valores patriarcais que pretendia subverter. O resultado é a consolidação de um projeto político reacionário que, longe de ser combatido, encontrou no liberalismo feminista um aliado involuntário.
O feminismo liberal opera sob a premissa falaciosa de que a autonomia feminina pode ser alcançada mediante práticas de consumo – de roupas, intervenções estéticas ou mesmo da própria sexualidade. Nesse contexto, o termo “empoderamento” foi esvaziado de seu conteúdo político, transformando-se em mera auto-objetificação. Atividades como a exibição do corpo nu em revistas masculinas ou a participação em espaços de entretenimento sexualizado são erroneamente celebradas como atos revolucionários, ignorando quem de fato se beneficia dessas dinâmicas: a indústria do sexo, controlada majoritariamente por homens, e o sistema capitalista, que cooptou a suposta rebeldia feminista, convertendo-a em produto. Enquanto isso, o conservadorismo instrumentaliza essa pseudo-libertação para justificar medidas repressivas e a reinscrição de valores tradicionais, apresentando-os como antídoto à “degeneração moral”.
A noção liberal de “liberdade sexual” desconsidera que, em uma estrutura patriarcal, a sexualidade feminina jamais é plenamente autônoma. Quando a suposta liberação é reduzida à disponibilidade para o prazer masculino – seja em aplicativos de encontros, na pornografia mainstream ou em arranjos não monogâmicos não críticos –, o que se observa não é a desconstrução da dominação, mas sua reafirmação sob nova roupagem. O conservadorismo, por sua vez, responde a essa dinâmica com discursos de “pureza” e “proteção”, os quais, embora ilusórios, atraem mulheres cansadas de uma libertação que as deixou mais expostas à violência, ao assédio e à precarização das relações afetivas. A direita oferece, assim, um falso “porto seguro” em um cenário onde o empoderamento liberal as lançou à própria sorte, sem redes de apoio efetivas.
Ao circunscrever a emancipação feminina ao âmbito das escolhas individuais – como se a decisão de ser dona de casa ou produtora de conteúdo adulto fosse, em si mesma, um ato político –, o feminismo liberal esvaziou seu potencial transformador. Na ausência de uma crítica estrutural ao patriarcado e ao capitalismo, o movimento permitiu que o conservadorismo capitalizasse o descontentamento das mulheres, muitas das quais, desiludidas com uma autonomia meramente performática, passaram a aderir a ideologias reacionárias em busca de segurança e sentido.
A adesão crescente de jovens aos valores conservadores não é um fenômeno aleatório, mas uma resposta direta ao fracasso do feminismo liberal. Criada sob a égide de um “empoderamento” vazio, a Geração Z testemunhou como a suposta libertação oferecida por esse modelo não passava de uma armadilha: enquanto as mulheres eram incentivadas a ver liberdade na exploração de seus próprios corpos (via indústria pornográfica, plataformas de conteúdo adulto ou cultura do “hookup”), os homens mantiveram intactos seus privilégios patriarcais, agora respaldados por um discurso pretensamente progressista. O resultado é uma juventude que, confrontada com a incapacidade do feminismo hegemônico de combater a violência masculina, a precariedade econômica e a solidão neoliberal, passa a enxergar no conservadorismo uma alternativa – ainda que enganosa – de proteção e significado.
O conservadorismo oferece às jovens uma narrativa atraente: a promessa de segurança em troca da aceitação de papéis tradicionais. Homens conservadores posicionam-se como protetores da família e das “verdadeiras mulheres”, vendendo a ideia de que a subordinação feminina é, na realidade, um “contrato voluntário”. Trata-se, contudo, de uma falsa escolha, uma vez que a alternativa apresentada – a solidão, a vulnerabilidade econômica e a violência sistêmica – é igualmente opressiva. Diante da ausência de redes de apoio coletivo, muitas mulheres acabam por aderir a essa lógica não por convicção, mas como estratégia de sobrevivência, num fenômeno que remete à “síndrome de Estocolmo social”: a adesão emocional ao opressor como mecanismo de autopreservação.
O crescimento do conservadorismo entre as jovens não representa uma rejeição ao feminismo em si, mas uma apropriação distorcida de sua retórica. Mulheres alinhadas ao conservadorismo têm instrumentalizado o discurso liberal da “escolha individual” para afirmar que a submissão tradicional é, em si mesma, um ato de empoderamento – “ser dona de casa é minha escolha”, “a submissão ao meu marido me liberta”. Essa estratégia retórica permite que elas simultaneamente rejeitem o feminismo organizado e se posicionem como “femininas autênticas”, utilizando a linguagem da agência pessoal (emprestada do feminismo liberal) para justificar papeis profundamente tradicionais.
Trata-se de um movimento paradoxal: ao adotar o vocabulário da autonomia (“é minha decisão”), essas mulheres neutralizam as críticas feministas, apresentando a adesão a normas patriarcais não como imposição, mas como exercício de liberdade – enquanto continuam a se opor vigorosamente aos princípios fundamentais do feminismo, como a luta contra a estrutura de dominação masculina. Esse fenômeno revela como o individualismo exacerbado do feminismo liberal criou as condições para que seu próprio léxico fosse usado contra seus objetivos originais.
O cenário atual revela uma encruzilhada histórica para o movimento feminista. Por um lado, o feminismo liberal, ao reduzir a libertação a performances individuais e ao consumo, mostrou-se incapaz de oferecer proteção real contra a violência patriarcal, abrindo caminho para o avanço conservador. Por outro, o conservadorismo soube capitalizar esse fracasso, apresentando a submissão como “escolha autêntica” – apropriando-se, de forma perversa, da própria linguagem feminista que pretendia combater.
Essa dinâmica não é acidental, mas resultado previsível de um sistema que transforma até a resistência em mercadoria. A “síndrome de Estocolmo social” expõe a gravidade do problema: quando a dominação se mascara de liberdade, a adesão das mulheres a seus próprios opressores passa a ser vista como solução, não como problema.
Diante desse quadro, o feminismo radical segue sendo a única resposta coerente. Não há emancipação possível dentro do sistema patriarcal-capitalista – apenas sua destruição pode abrir caminho para relações verdadeiramente livres.
O conservadorismo não será derrotado com reformas ou concessões, mas com a reafirmação intransigente de que liberdade não se negocia – conquista-se. Afinal, a liberdade feminina não será dada por aqueles que se beneficiam de nossa escravidão. Cabe ao feminismo radical, herdeiro dessa consciência, resgatar o projeto revolucionário que o liberalismo abandonou: não decorar jaulas, mas demolir prisões.