Crime e Proscrição no contexto germânico

Por Clarissa Roldi

Como estabelecemos previamente, existia, de fato, uma distinção entre “bem” e “mal” dentro da cosmovisão germânica, sendo o último referente a qualquer ato que fosse prejudicial à tribo, ou seja, atos que iam de encontro às leis tribais.

A punição por não cumprimento das leis era comumente a proscrição, ser marcado como um fora-da-lei.

Como pontuado pelo árabe Al-Tartushi, ao visitar a cidade de Hedeby, Dinamarca, no século X:

“São extremamente peculiares em relação ao castigo; tem apenas três penalizações para as infrações. A primeira, e a mais temida, é o banimento da tribo.”

Tornar-se um fora-da-lei pertencente ao utangarðr significava, literalmente, ser exilado e perder qualquer proteção garantida pela lei; o indivíduo não mais fazia parte da sociedade, tornando-se passível de qualquer tipo de violência sem que o agente sofresse punição legal.

Em uma sociedade construída em cima de valores tribais onde a dependência de outros membros era vital para a sobrevivência e o individualismo era visto com maus olhos, estar fora da lei poderia significar grandes pesares e até mesmo a morte para aqueles que eram exilados, sendo que não mais poderiam contar com nenhum tipo de ajuda dos membros da tribo que o expulsaram. Este seria o caso de alguém que foi completamente removido do innangarðr; neste caso, era comum que o sujeito perdesse seus bens e propriedades, sendo também proibido que os membros da tribo lhe fornecessem comida e abrigo.

Na Islândia, tal punição era conhecida como skóggangr, significando literalmente “ir para a floresta”, devido ao fato de que tais infratores, a fim de escapar de punições infligidas pelos próprios membros da tribo, geralmente fugiam para áreas mais desertas.

Em alguns casos, dependendo da gravidade do crime cometido, havia ainda a possibilidade de reconstruir o valor dentro da tribo com os anos e retornar à proteção da lei, sem a necessidade de ser privado de seus bens e relações.

Mas o que constituiria um crime para os germânicos? A lei era um conjunto de normas sociais que ditavam os comportamentos esperados dos indivíduos, comumente impostas pelo próprio povo, e um fora-da-lei era aquele que tomava atitudes que iam contra os costumes tribais e que, por consequência, eram prejudiciais para o funcionamento da tribo.

Vimos o exemplo na Kjalnesinga Saga, onde Búi é expulso acusado de falsa religião, por exemplo. Há o caso de portar armas durante þings,  considerado uma afronta ao gríðr. Atos covardes como assassinato injustificável, estupro (dentro da tribo), sequestro, feitiçaria malévola, assalto a rodovias e nið (ritual envolvendo acusações de extrema depravação sexual) também entravam na lista de crimes comumente considerados dignos de banimento.

Para trazer o conceito de lei e punição na prática moderna, precisamos ter a consciência de que estamos à mercê de uma lei maior, independente do que seja decidido dentro de um kindred. Ser banido de um kindred, nos tempos atuais, certamente não implicaria consequências fatais pelas mãos de seus próprios integrantes.

Procuramos entender esta relação de lei/punição e sociedade não para que possamos aplicar de forma literal nos tempos modernos, mas tal recurso se faz necessário para que possamos perceber o conceito de liberdade, tão mal interpretado dentro do paganismo moderno.

Concluímos, então, que podemos caracterizar liberdade, na concepção germânica, como a liberdade de fazer parte da tribo e usufruir dos privilégios de sua proteção em detrimento da liberdade individual de agir em prol de nosso próprio ego.

Fontes:

Culture and History in Medieval Iceland: an Anthropological Analysis of Structure and Change (p.86) – Hastrup, Kirsten

Viking Age: Everyday Life During the Extraordinary Era of the Norsemen (p. 154-155) – Wolf, Kirsten

The Age of the Vikings. (p. 245) – Winroth, Anders.

Ibn Fadlan and The Rusiyyah

Kjalsnesinga Saga

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