









Ser mulher é ser constantemente lembrada que nenhum dos nossos direitos é absoluto e garantido. Ser mulher é ter a consciência de que, em vista de qualquer crise econômica, política ou sanitária, nossos direitos são os primeiros a serem colocados em xeque. Este movimento surgiu para dizer que nós não aceitaremos, jamais, permanecer em tal posição na sociedade. E conseguimos.
Notícia: Câmara de Vitória indica a inclusão de lactantes no grupo prioritário de vacinação
O movimento das Lactantes Pela Vacina surgiu no estado da Bahia, durante um momento crítico da pandemia de Covid-19 em que ainda não havia vacinas sendo administradas em grande escala e as doses eram distribuídas por ordem de prioridade. Ainda que a inclusão de lactantes na fila tenha sido recomendado por diversos órgãos de saúde junto às gestantes e puérperas, tal grupo foi esquecido pelos gestores. Por conta disso, as lactantes se organizaram em todo o Brasil para reivindicar um direito que deveria ter sido concedido desde sempre.
No Espírito Santo, conseguimos o apoio dos vereadores de Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica e Viana, do secretário de saúde Nésio Fernandes e da vice-governadora Jaqueline Moraes.
Com o apoio da vereadora Camila Valadão, conseguimos chegar na Câmara dos Vereadores de Vitória para pleitear a causa.
Confira abaixo um pouco da nossa trajetória:
Roteiro do discurso feito na Câmara Municipal dos Vereadores de Vitória, durante a Reunião da Comissão de Direitos Humanos no dia 16 de junho de 2021.
Por que vacinar lactantes?
Fatores imunológicos, econômicos e sociais
Existe um evidente motivo que impulsiona o nosso movimento – as evidências científicas que mostram a presença de anticorpos contra a COVID-19 no leite materno da mãe vacinada, dando ao lactente (bebê ou criança) um grau de proteção. Tal informação se torna valiosa diante de um cenário pandêmico repleto de incertezas que trouxe ao país não apenas uma enorme crise sanitária como, também, econômica.
Tendo em vista que uma única vacina tem o potencial de proteger duas ou mais pessoas, a vacinação de lactantes torna-se um recurso economicamente viável e vantajoso enquanto não há previsão de vacina para bebês e crianças pequenas – que também não podem usar máscaras devido ao alto risco de sufocamento e, devido à imaturidade própria da idade, não são capazes de compreender a necessidade do distanciamento social, muito menos exercê-lo de forma efetiva. Listamos e contextualizamos aqui os fatores mais relevantes para argumentar a favor da inclusão de lactantes entre os grupos prioritários.
O FATOR IMUNOLÓGICO
A realidade da maioria das mães brasileiras não permite a possibilidade do home office, ainda que exista a recomendação para que tais mães passem a trabalhar remotamente. Isso se deve ao fato de que o trabalho informal representa cerca de 42% do emprego feminino, de acordo com estudo conduzido pela Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, estima-se que o total das mulheres no trabalho precário e informal é de 61%.
O trabalho informal acaba sendo a opção de inúmeras mães brasileiras após a maternidade visto que 50% delas são demitidas após a volta da licença maternidade e afastadas do mercado de trabalho.
Segundo o Instituto Brasileito de Estatística e Geografia (IBGE), a maternidade solo é a realidade de cerca de 11 milhões de mulheres brasileiras, das quais 63% vivem abaixo da linha da pobreza. Além disso, 5,5 milhões dessas crianças sequer possuem o nome do genitor em seus registros. Pesquisas feitas pelo IBGE, IPEA e ONGs como Sempreviva Organização Feminista (SOF) apontam que essas mães foram as mais impactadas pela pandemia de COVID-19. Sem a possibilidade de parar de exercer trabalhos informais e sem rede de apoio adequada, tais mães encontram-se em uma posição de extrema vulnerabilidade, acarretando também em uma série de transtornos psicológicos.
Estes dados nos apresentam uma conclusão lógica: mães seguem exercendo trabalhos de base durante a pandemia de COVID-19, o que as torna suscetíveis a um alto risco de contaminação. Seus bebês, que precisam ficar em creches – muitas vezes clandestinas, sem as medidas adequadas de segurança – também encontram-se em maior risco de exposição.
O resultado: Milhares de mães morrendo. 45 mil é o número de bebês, crianças e adolescentes que se tornaram órfãos devido à COVID-19 até então, segundo dados fornecidos pelo IPEA. 110 é o números de bebês com menos de 28 dias que faleceram. 1500 é o número de óbitos de crianças menores de 6 anos. 6558 são os bebês internados neste ano (dados: Fiocruz, a serem publicados ao final deste mês). Este é um número que pode crescer exponencialmente até o final de 2021 caso não sejam tomadas medidas que busquem proteger esses grupos.
No Brasil, o vírus já é a maior causa de morte materna. Nosso país também é o que mais perdeu mães e crianças para esta doença – mais do que qualquer outro país no mundo.
É assustadoramente desconhecido o tamanho do impacto que esta fatalidade causará a longo prazo, tanto a nível econômico para o país, que hoje se encontra responsável por milhares de órfãos, quanto a nível social e de saúde – física, emocional e psicológica – dessas crianças.
De acordo com relatório da UNICEF, de 2018 (Breastfeeding – A Mother ‘s Gift, to Every Child), 95% dos bebês são amamentados em algum momento de suas vidas. Tal relatório constata, também, que as taxas de amamentação são inversamente proporcionais à riqueza do país. Observou-se que a tendência é que o aleitamento materno se estenda por mais tempo em famílias de baixa renda. Percebemos, então, a necessidade de não estipular idade limite do lactente para a vacinação da lactante, visto que ao abranger todas as lactantes, atingiremos com maior sucesso mães que se encontram em maior situação de vulnerabilidade social e, consequentemente, maior risco de exposição à COVID-19.
Visto que 60% das mães de bebês de até 4 meses e 53% das mães de bebês de até um ano são lactantes. (dados: Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil – Enani, do Ministério da Saúde), podemos afirmar que a vacinação das lactantes seria uma forma eficaz de diminuir os índices de morte materno-infantil e proteger esse grupo que se encontra em posição de vulnerabilidade. A vacinação de lactantes também contribuirá para o aumento significativo de pessoas com proteção contra a COVID-19, sendo uma alternativa inteligente para aumentar o impacto de segurança na sociedade. Crianças protegidas via leite materno que frequentam escolas serão um trunfo no combate ao COVID-19, já que com uma única vacina é possível imunizar uma mãe e seu filho, e ainda proteger todos que tem contato direto com a criança – como parentes, cuidadores, professores e colegas.
A OMS, em documento endossado pelo Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE), traça orientações globais para alocação de vacinas contra a COVID-19 e de priorização de grupos em caso de oferta limitada. Norteado pelo princípio do bem-estar humano, com o objetivo de “reduzir as mortes e a carga da doença relativa à pandemia de COVID-19”, o documento recomenda a vacinação em “Grupos com comorbidades ou estados de saúde (por exemplo, gravidez/amamentação) que implicam risco significativamente maior de doença grave ou morte”. Priorizar quem tem o potencial de proteger está no princípio SAGE/OMS.
Apenas o fator imunológico e o potencial de proteger não apenas uma mãe e seu bebê, mas também todos que os cercam com apenas uma vacina, é um forte argumento para levar adiante a luta das lactantes pela vacina. Porém, mais do que isso, os argumentos que apresentamos a favor da nossa luta vão muito além.
O FATOR ECONÔMICO
Estudo conduzido por pesquisadores na Universidade de Oxford, em 2019 (The Costs of not Breastfeeding), que apontaram o custo mundial de não amamentar: o mundo poderia poupar, diariamente, cerca de US$ 1 bilhão em perda de produtividade e custos de saúde caso as mulheres pudessem amamentar por mais tempo. As perdas econômicas globais anuais totais são estimadas entre US$ 257 bilhões e US$ 341 bilhões.
Estima-se que as perdas econômicas de mortalidade prematura de crianças e mulheres equivalham a US$ 53,7 bilhões em lucros futuros perdidos a cada ano. O maior componente das perdas econômicas, no entanto, são as perdas cognitivas, estimadas em US$ 285,4 bilhões anuais.
De acordo com o estudo, ”os custos de não amamentar são significativos e devem obrigar os formuladores de políticas e os doadores a investir na intensificação das intervenções de aleitamento materno e nutrição para crianças e suas mães, a fim de fortalecer o desenvolvimento do capital humano e os resultados econômicos em todo o mundo”. Dito isso, argumentamos também que a vacinação de lactantes é uma importante política para impulsionar a promoção do aleitamento materno. A recomendação oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS) é a de que o aleitamento materno seja exclusivo por 6 meses e continuado por dois anos ou mais. A OMS também enfatizou que “em próximas
pandemias, amamentar deverá ser recomendação primordial.” A média nacional de aleitamento materno ainda se encontra em cerca de dois meses, porém, dados preliminares disponibilizados pelo Enani apontam que em 2020 essa taxa vem aumentando.Inclusive, várias mães optaram por não conduzir o desmame após a divulgação das pesquisas que apontaram o potencial de imunizar lactentes contra a COVID-19 via leite materno. Portanto, ao vacinar lactantes, enfatizamos a importância da amamentação e encorajamos mulheres a amamentarem por mais tempo. A longo prazo, tal medida mostra-se também benéfica para a economia.
O FATOR SOCIAL
Amamentar é o trabalho de base exercido por mulheres que, apesar de fundamental para a manutenção da sociedade, encontra-se em uma posição lastimável de invisibilidade. Pouco se fala sobre o impacto da amamentação – ou da falta dela – a longo prazo, que afeta a estrutura da sociedade de forma global. A nota técnica 1/2021 do Ministério da Saúde sobre vacinação de gestantes e puérperas trata também sobre lactantes e, mesmo assim, este grupo não foi lembrado pelos gestores públicos, não sendo sequer levantada a discussão sobre a previsão de inserção do mesmo dentre as prioridades de vacinação.
O aleitamento materno interrompido de forma abrupta e precoce está relacionado a diversas doenças físicas e psicológicas – como, por exemplo, compulsões alimentares, tabagismo e alcoolismo. A criança que é abruptamente desmamada ao ter sua mãe retirada de si devido à morte ou internação prolongada (sendo estas possíveis consequências da contaminação por COVID-19), além de ser privada dos benefícios da amamentação, encontra-se suscetível a tais comorbidades futuras.
Nessa esteira, nos respaldamos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preconiza e atribui ao poder público a responsabilidade de proteção à vida e à saúde das crianças, em absoluta prioridade, bem como a promoção e apoio ao aleitamento materno, mediante efetivação de políticas públicas.
O tema escolhido pela Aliança Mundial para Ação de Aleitamento Materno (WABA) para a Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) 2021 é: “Proteja a amamentação: uma responsabilidade compartilhada”, que visa informar as pessoas sobre a importância de proteger a amamentação, apoiar a amamentação como uma responsabilidade vital de saúde pública, se articular com indivíduos e organizações para maior impacto e potencializar ações para proteger o aleitamento materno para melhorar a saúde coletiva.
Proteger a amamentação é uma questão de saúde pública e um dever de todos, e a vacinação de lactantes é uma política de extrema importância para que possamos avançar na cobrança por um direito tão fundamental – de amamentar, com apoio e informação de qualidade – que é negado a tantas mulheres brasileiras.
Enfatizamos, então, a autonomia dos estados e municípios em relação às diretrizes do PNI, que permite que se faça adaptações locais e inclusão de novos públicos para montar o seu próprio esquema de vacinação, conforme a necessidade da região, segundo pronunciamento do Ministério da Saúde – conduta esta que, inclusive, foi adotada em nosso estado, contemplando categorias que inicialmente não constavam expressamente no PNI do MS. É possível, portanto, que possamos aqui impulsionar o movimento das lactantes pela vacina e ser exemplo de promoção de saúde pública para os outros estados, como já está sendo feito na Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.
É importante ressaltar que não buscamos prioridade na frente dos grupos previamente estabelecidos como prioritários. Não desejamos, de forma nenhuma, que a nossa ação se sobreponha às ações que levaram a colocar gestantes, puérperas e professores como prioridade, por exemplo. Entendemos a necessidade de vacinar tais grupos e não desejamos “furar a fila da vacina”. O que buscamos é a visibilidade e o reconhecimento de que há uma enorme necessidade de um olhar mais atento para a questão do aleitamento materno no Brasil e proteção de mulheres e crianças.
Apesar de uma baixa média nacional de amamentação, o Brasil segue sendo referência internacional nas políticas de proteção à amamentação, com a Rede de Banco de Leite Humano (rBLH) sendo a maior e mais complexa do mundo, contando com 224 bancos e 216 postos de coleta presentes em todos os estados. Além disso, somos pioneiros na criação de uma legislação que visa proteger bebês das garras da indústria que lucra com o desmame – a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de 1ª Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL, 11.265/06). Ademais, O Senado aprovou, em regime de urgência, projeto para penalizar, com multa, a violação do direito à
amamentação.
O movimento de vacinação de lactantes tem o potencial de levar o Brasil a recuperar parte da reputação perdida nesta pandemia, tornando-se referência mundial na promoção de aleitamento materno, saúde pública e proteção de mulheres e crianças. Nós já estamos no caminho certo e possuímos todas as ferramentas necessárias.
Vacinar lactantes é proteger a geração que será responsável pelo futuro do país e as principais responsáveis pelo seu cuidado e educação. Saúde, integridade, economia, trabalho de base. Manutenção das estruturas que sustentam uma nação. Este é o fardo que nós, mães, lactantes, carregamos. Este é o trabalho que fazemos enquanto somos colocadas nas sombras. Pedimos que compreendam a urgência da nossa causa. Gritamos por reconhecimento e visibilidade por nós e pelas nossas crianças. Elas são o futuro. Que este futuro possa ser menos amargo que o presente.
Assista abaixo na íntegra:
Veja aqui os documentos relacionados ao movimento.