Mãezímetro

Por Clarissa Roldi

Eu não sei se vocês sabem dessa, mas sabe aquela caderneta da gestante que recebemos ao dar início no nosso pré natal? Aquela que as grávidas carregam dentro das pastinhas junto com cartão de vacina e resultados de exames. Ela mesmo. Sabia que ela tem uma seção super secreta? Pois é! Eu só descobri a existência dela bem recentemente, quando olhei mais atentamente para além das letras digitadas no papel. Eu não tinha percebido antes. Mas é que nem um contrato, sabe? A gente assina sem saber muito bem aonde está se metendo, e só vai perceber o tamanho da furada quando a conta chega – eis aqui a frase que pode muito bem resumir a maternidade inteira. Será que se a gente conseguisse ler as letras miúdas teríamos assinado esse contrato? Hm. Papo para uma outra hora. Agora eu quero falar sobre essa cláusula específica. 

Pois bem. Essa seção escondida é o “mãezímetro”. É um tipo de termômetro, que mede o quão mãe é uma mãe. Ele sobe e desce de acordo com as escolhas que fazemos, desde a gestação e pelo resto da vida dos nossos filhos – não a nossa, o mãezímetro nunca para e continua julgando mesmo depois que a gente passa dessa para melhor (ou pior, não sei mesmo). 

E existe uma coisa muito curiosa sobre o mãezímetro. Ele não é exatamente programado para subir ou descer de acordo com ações listadas e pré determinadas. Ele é medido de acordo com as expectativas, crenças e opiniões de vários grupos diferentes. É meio confuso, né? Eu sei. Demorei bastante tempo para entender como ele funciona. 

Mas é mais ou menos assim: teve parto normal? Vai ter umas pessoas falando que foi a melhor decisão da vida, falando como é fisiológico e maravilhoso, sobre como é ótimo respeitar o tempo do bebê… e o mãezímetro vai subir. Mas aí vai ter quem te chame de doida, vai ter quem diga que isso é coisa de bicho e que a gente tem mesmo é que aproveitar os avanços da medicina e não se submeter a dores desnecessárias. E o mãezímetro vai descer. 

Aí você vai amamentar em livre demanda. Nossa, que show! Sobe esse mãezímetro! Mas cuidado que o bebê vai ficar mal acostumado, hein? Pode abaixar o nível do mãezímetro que você está criando seu bebê para ser emocionalmente dependente. 

E a cama compartilhada? Que favorece a amamentação e ajuda no descanso da mãe? Genial, põe esse mãezímetro lá em cima! Vish… Mas e a vida sexual hein? Mulher, lembra que para ser boa mãe, você também precisa de paz no seu relacionamento, como vai fazer com uma criança dormindo no meio? Pode abaixar o nível do mãezímetro. 

Vai sair para namorar com um bebê tão novo assim? Ah, teve filho para os outros cuidarem, né? Mãezímetro abaixo de zero para você! Mas você cuida tão bem do seu filho que merece um dia de folga, afinal, mamãe feliz, bebê feliz. Pode subir!

Deu bico? Fraca, não aguentou o tranco, desce! Ou então, pode dar, melhor que ser escrava da amamentação, sobe! BLW? Preguiçosa, desce! Ah, maravilhosa, sobe! Papinha? Relaxada, desce. Mais seguro, sobe! Creche? Ótimo, vai se desenvolver, socializar. Sobe! Ih, tem preguiça de educar a própria criança, desce. 

E por aí vai. O mãezímetro sobe e desce, oscila constantemente. Ele é regulado pela nossa família, pelos nossos amigos, pelos nossos médicos – pediatras, nutricionistas, dentistas… -, ele é regulado pelas normas sociais e culturais… Ele é regulado por absolutamente tudo e todos, o tempo todo. 

O mãezímetro é tipo uma competição, que temos que ganhar a qualquer custo. Ele não usa a ciência como base, não. Não tem nenhuma evidência que justifique sua existência. Ele, na verdade, nem pode ser visto, tocado ou manualmente regulado. É uma coisa que simplesmente existe no tempo e espaço – e ele é universal.  

E o mais engraçado, é que a mesma ciência que não consegue justificar a existência desse mãezímetro, consegue explicar um tanto de outras coisas que fazem bem ou mal para todo mundo, inclusive para os nossos filhos. E até quando a gente tenta fugir do mãezímetro e usar só a ciência, os dedos vão apontar na nossa direção e o nosso mãezímetro vai subir ou descer também. Porque ele não depende da nossa vontade para existir – ele vai existir.

O curioso sobre o mãezímetro é que ele só existe porque nós o criamos. E assim como criamos, temos o poder de desfazer, não é? E se a gente se juntasse e arrancasse a página do mãezímetro do contrato? Seria bem bacana.  Veja bem, ele oscila tanto que sempre, sem exceções, todas nós acabamos ficando exatamente onde começamos: no zero. 

Sábia foi a nossa presidente, que, mesmo sem saber, descreveu o mãezímetro da melhor forma possível: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.”

Compartilhe!