Não é incomum ver a palavra “paganismo” relacionada ao termo “religião” ou “fé”. Apesar da relação entre os termos não estar incorreta, existe mais no paganismo do que a simples crença em deuses antigos.
É válido lembrar que antes da chegada do monoteísmo comum, os antigos não viam uma separação entre cultura/espiritualidade; Bill Linzie usa os termos “modular religion” e “ethnic religion” para diferenciar a forma como cristãos e heathens enxergam a religiosidade, respectivamente.
Uma “modular religion” – religião modular – pode ser incorporada independente de barreiras culturais, ao passo que uma “ethnic religion” – religião tribal (tradução livre) – tem sua cosmovisão interferindo diretamente nas práticas religiosas (Linzie, 2007).
Em outras palavras, para entendermos como funciona o paganismo tribal é necessário um entendimento da visão de mundo no qual suas práticas religiosas estão inseridas. A própria ideia de separação entre “religiosidade” e vivência é uma prática que já não mais se refere à cosmovisão heathen (Rood, 2011).
O termo “religião”, por si só, remete a um pensamento moderno em relação ao que os antigos vivenciavam; paganismo engloba, dentro de seus conceitos, a forma como enxergamos o mundo à nossa volta, como vivemos nossas experiências e nos relacionamos com as pessoas e até como lidar com eventuais problemas. Seria improvável, por exemplo, a criação de um sistema de leis que se permanecesse laico dentro de uma religião tribal.
Algumas práticas tornam-se quase que exclusivas de povos de uma determinada etnia, devido ao fato de tê-las ligadas à cultura de forma tão categórica que se torna inviável ser praticado por alguém que não tenha desenvolvido suas ideias dentro de tal contexto. Como exemplo, podemos citar o sistema de castas hindu, que, mesmo sendo rejeitado pela constituição indiana, permanece presente na sociedade, principalmente em áreas mais rurais.
Em suma, podemos dizer que uma religião tribal compõe um “estilo de vida”. Portanto, o melhor termo para nomear as práticas heathen seria “costume” em detrimento de “religião” – Forn Siðr, ou, o “antigo costume”.
Como exemplos superficiais de como cultura/espiritualidade estão tão interligadas na visão heathen que torna-se impossível uma separação, podemos citar o culto aos ancestrais e a convivência com os vættir; a conexão com a terra, o animismo. Tais práticas eram tão comuns aos antigos que, mesmo após a conversão, muitos as mantiveram.
Dicotomias como esta separação entre espiritualidade/cultura e outras como conceitos de bom/ruim, bem/mal, certo/errado chegaram junto com a fé comum, assim como o termo “religião” surge, a partir do momento em que esta se vê desvinculada de práticas culturais.
Conceitualmente falando, religião/cultura estão diretamente interligados, mesmo tratando-se de uma religião modular. Um exemplo comum aqui no Brasil seria a conduta moral que, mesmo tratando-se de pessoas que não praticam cultos religiosos, mantém uma postura que faz referência à moral cristianizada, em sua maioria, devido ao fato de que tais comportamentos foram implementados de forma incisiva em nossa sociedade, contendo estas dualidades que fazem parte da crença comum.
No entanto, neste caso, é possível separar o que se tornou cultural daquilo que faz parte do culto religioso monoteísta.
Tais dicotomias não fazem parte da cosmovisão tribal; existem muito mais “shades of grey” do que puro e simples preto no branco.
Um dos maiores desafios para nós, heathens brasileiros, é incorporar uma cosmovisão que difere de forma quase que transcendente da qual fomos criados desde o dia em que nascemos. Não somente, como também a aplicação da mesma no nosso dia-a-dia torna-se penoso, visto que estamos diariamente inseridos em situações que exigem de nós a preservação da conduta moral que se tornou padrão dentro da nossa sociedade.
É necessário, portanto, um esforço não somente para a compreensão de valores heathen, como também para a aplicação dos mesmos. Sendo assim, dentro do contexto reconstrucionista, torna-se de suma importância o esforço para fortalecer não apenas a prática isolada, mas sim a comunidade como um todo.