Teoria do Apego e o Desenvolvimento Humano

Por Clarissa Roldi

Objetivo: Este artigo busca dissertar sobre como as relações de apego entre crianças e seus cuidadores na primeira infância influenciam o desenvolvimento psicossocial e cognitivo das mesmas, as prováveis consequências que podem se manifestar na vida adulta e a importância da responsabilidade coletiva na construção do indivíduo.

Palavras chave: apego, infância, desenvolvimento

RESUMO

Quando buscamos estudar os nichos onde são realizados estudos acerca da Teoria do Apego de Bowlby, a tendência é que se olhe para como o ser humano desenvolve seus padrões de apego a partir de uma visão individual, analisando a interação entre a criança e seu cuidador principal – sendo este posto ocupado majoritariamente por mulheres/mães. No entanto, ao considerarmos as diversas teorias que rondam o campo do desenvolvimento cognitivo e psicossocial, por mais que elas possam divergir entre si, percebemos que parece haver uma concordância generalizada: o desenvolvimento humano ocorre a nível individual e coletivo – ou seja, o ser humano se desenvolve a partir da interação com o meio e consigo mesmo. Desta mesma forma, as relações que construímos ao longo de nossas vidas são moldadas, também, a partir de vivências que compartilhamos com o ambiente. Vygotsky afirma que “nós nos tornamos nós mesmos através dos outros” (Vygotsky, 1999). Podemos então considerar que fatores históricos, sociais, políticos e econômicos exercem uma influência significativa na forma como nos percebemos e percebemos o outro – e, por isso, também exerce influência na forma como reproduzimos nossos padrões de apego. Este artigo busca dissertar sobre a responsabilidade social que existe para que cuidadores tenham acesso a políticas públicas que proporcionem um ambiente propício para o desenvolvimento de padrões seguros de apego e consequentemente melhor desempenho cognitivo e psicossocial a nível coletivo, observando interações que proporcionem vínculos significativos além do núcleo familiar.

ABSTRACT

When we seek the niches in which Bowlby’s Attachment Theory is carried out, the tendency is to look at how human beings develop their attachment patterns from an individual perspective, analyzing the interaction between the child and their main caregiver – a position mostly filled by women/mothers. However, when we consider the different theories that surround the field of cognitive and psychosocial development, although they may differ from each other, we realize that there seems to be a general agreement: human development occurs at both individual and collective levels – meaning, human being development is affected by all interactions with the environment and with themselves. Moreover, the relationships we build throughout our lives are also shaped from the experiences we share with the environment. Vygotsky states that “we become ourselves through others” (Vygotsky, 1999). Ergo, we can then consider that historical, social, political and economic factors exert a significant influence on the way we perceive ourselves and others – and, therefore, it also exerts an influence on the way we reproduce our attachment patterns. This article seeks to discuss the social responsibility around politics that can allow caregivers to have access to public policies that provide an environment conducive to the development of secure patterns of attachment and, consequently, better cognitive and psychosocial performance at the collective level, observing interactions that provide significant bonds beyond the family nucleus.

MÉTODO

Foram analisadas teorias referentes ao desenvolvimento humano tendo como base a Teoria do Apego de J. Bowlby para buscar compreender como os padrões de apego estabelecidos na primeira infância entre crianças e seus cuidadores principais podem afetar o desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Ademais, também foram explorados as ideias de Piaget, Vygotsky e Paulo Freire acerca da relação entre educação e desenvolvimento, olhando para os aspectos sociais, políticos e culturais que interagem direta e indiretamente na formação do tipo de apego.

SUMÁRIO

1.      INTRODUÇÃO

2.      A TEORIA DO APEGO

3.      OS MACACOS DE HARLOW

4.      OS ÓRFÃOS DA ROMÊNIA

5.      AMAMENTAÇÃO, APEGO E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

6.      BEBÊS DE “BARRIGA DE ALUGUEL” NO CONTEXTO PANDÊMICO

7.      CONCLUSÃO: POLÍTICA PÚBLICA E APEGO SEGURO

8.      REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento humano é um tópico de interesse de várias áreas – da Psicologia a Pedagogia, temos estudos ao longo da história que buscam compreender a complexidade do cérebro humano e sua formação. Piaget considera que há dois fatores envolvidos no desenvolvimento cognitivo do ser humano, sendo o primeiro genético – que, apesar de carregar sua importância, não pode ser considerado determinista – e “fatores de transmissão ou de interação sociais, que intervêm desde o berço e desempenham um papel de progressiva importância, durante todo o crescimento, na constituição dos comportamentos e da vida mental” (Piaget, 1998). Considerando tal colocação, este artigo dialoga com a Teoria do Apego de Bowlby e disserta sobre como as interações com os cuidadores principais na primeira infância podem afetar o processo de desenvolvimento e impactar as relações na vida adulta.

A TEORIA DO APEGO

Bowlby (1989) considerou o apego como um mecanismo básico dos seres humanos. Ou seja, é um comportamento biologicamente programado. O papel do apego na vida dos seres humanos envolve o conhecimento de que uma figura de apego está disponível e oferece respostas, proporcionando um sentimento de segurança que é fortificador da relação (CASSIDY, 1999). De acordo com J. Bowlby (1973/1984), o relacionamento da criança com os pais é instaurado por um conjunto de sinais inatos do bebê, que demandam proximidade. Com o passar do tempo, um verdadeiro vínculo afetivo se desenvolve, garantido pelas capacidades cognitivas e emocionais da criança, assim como pela consistência dos procedimentos de cuidado, pela sensibilidade e responsividade dos cuidadores. Por isso, um dos pressupostos básicos da TA é de que as primeiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetam o estilo de apego do indivíduo ao longo de sua vida (BOWLBY, 1989)

O comportamento de apego está presente em variadas intensidades e formas. Pode ter formas ativas, como procurar ou seguir o cuidador; formas aversivas, como chorar; ou pode ainda aparecer sob forma e sinais comportamentais que alertam o cuidador para o interesse de interação da criança, como sorrir e verbalizar de modos diversos. Todas essas formas são observadas em crianças, adolescentes e adultos ao buscarem a aproximação com outras pessoas. É o padrão desses comportamentos, e não sua frequência, que revela algo acerca da força ou qualidade do apego (AINSWORTH, 1989).

Evidências de que as crianças também se apegam a figuras abusivas sugerem que o sistema do comportamento de apego não é conduzido apenas por simples associações de prazer. Ou seja, as crianças desenvolvem o comportamento quando seus cuidadores respondem às suas necessidades fisiológicas, mas também quando não o fazem (CASSIDY, 1999).

Bowlby (1969/1990) distinguiu dois tipos de fatores que podem interferir na ativação do sistema de comportamento do apego: aqueles relacionados às condições físicas e temperamentais da criança, e os relacionados às condições do ambiente. A interação desses dois fatores é complexa e depende, de certa forma, da estimulação do sistema de apego. Além disso, esse sistema tem função direta nas respostas afetivas e no desenvolvimento cognitivo, já que envolve uma representação mental das figuras de apego, de si mesmo e do ambiente, sendo estas baseadas na experiência.

Bowlby descreveu o processo de construção dos modelos internos de funcionamento em termos de modelo de apego. A criança constrói um modelo representacional interno de si mesma, dependendo de como foi cuidada. Mais tarde, em sua vida, esse modelo internalizado permite à criança, quando o sentimento é de segurança em relação aos cuidadores, acreditar em si própria, tornar-se independente e explorar sua liberdade. Desse modo, cada indivíduo forma um “projeto” interno a partir das primeiras experiências com as figuras de apego. Embora essas representações tenham sua origem cedo no desenvolvimento, elas continuam em uma lenta evolução, sob o domínio sutil das experiências relacionadas ao apego da infância. A imagem interna, instaurada com os cuidadores primários, é considerada a base para todos os relacionamentos íntimos futuros. Sua influência aparece já nas primeiras interações com outras pessoas, afora as figuras de apego, e expressa-se nos padrões de apego e de vinculação que o indivíduo apresentará em suas interações interpessoais significativas (BRETHERTON & MUNHOLLAND, 1999).

Ainsworth (1978) desenvolveu um sistema de avaliação do relacionamento mãe-bebê, a partir de observações naturalísticas desse tipo de interação, chegando à identificação de dois grandes grupos de estilo de apego: os seguros e os inseguros. Enquanto as crianças seguras se mostravam confiantes na exploração do ambiente e usavam seus cuidadores como uma base segura de exploração, as crianças categorizadas como inseguras tinham em comum baixa exploração do ambiente e pouca ou intensa interação com suas mães.

OS MACACOS DE HARLOW

Em 1958, Harlow publicou um de seus trabalhos mais famosos, considerado um clássico na história da psicologia: A Natureza do Amor. Naquele momento, algumas explicações tentavam dar conta do vínculo observado entre mãe e filho, de uma forma geral. A postura, usualmente defendida por psicólogos e sociólogos, atribuía tal vínculo às motivações primárias, incluindo fome, sede e dor, enquanto que os outros motivos, como amor ou afeto, eram derivados ou motivações secundárias. Isto é, o vínculo estabelecido entre o filho e a figura materna estava diretamente associado à capacidade da mãe em reduzir a fome, a sede e a dor principalmente, enquanto que outros fatores, tais como o toque ou o ato de abraçar, eram secundários, segundo o entendimento da perspectiva predominante (Harlow, 1958).

Harlow demonstrou que esse entendimento – a teoria com base na nutrição para explicar o apego do filho à mãe – estava equivocado, a partir de seus experimentos, nos quais ele conseguiu isolar o ‘fator alimentação’ do ‘fator contato materno’. Em uma das variações dos experimentos iniciais de Harlow, os filhotes de macacos Rhesus foram separados de suas mães entre 6 e 12 horas após o nascimento e colocados isolados, cada qual em uma gaiola com “duas mães substitutas”. Uma mãe substituta, de corpo cilíndrico, era feita de arame e a outra, de pelúcia, sendo que ambas tinham calor adequado, provido por uma lâmpada, e apenas a mãe metálica apresentava um ‘mamilo artificial’ que garantia a alimentação do filhote. O surpreendente observado nos resultados desse experimento foi o fato de que o filhote preferiu o aconchego e conforto da “mãe de pelúcia” ao alimento vindo da “mãe metálica” (Harlow, 1958).

Numa segunda etapa de seu experimento, Harlow foi além, isolando os filhotes em gaiolas menores, apenas com comida e bebida. Privados de todo estímulo social e sensorial, os macacos começaram a demonstrar alterações em seu comportamento, fruto de todo esse isolamento. Os macacos que ficaram um ano presos ficaram em estado catatônico. Se mostravam passivos e indiferentes a tudo e a todos. Quando os macacos presos chegavam à idade adulta, não conseguiam se relacionar com os demais de forma correta. Não encontravam parceiros, não tinham nenhum tipo de necessidade em procriar e, em algumas ocasiões, sua passividade lhes fazia deixar de comer e beber. Harlow percebeu que as fêmeas não conseguiam ficar grávidas, já que elas não tinham nenhum interesse em procriar. Por essa razão, num suporte para reprodução forçada, fecundou as fêmeas. O resultado foi o desentendimento completo entre mães e seus filhotes, os quais eram ignorados e não alimentados. Muitas delas mutilavam seus filhotes para que eles morressem.

Ainda que o experimento de Harlow tenha gerado algumas controvérsias, trouxe à tona uma série de questões envolvendo o desenvolvimento psicossocial, além de ratificar a teoria de Bowlby.

OS ÓRFÃOS DA ROMÊNIA

Uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard com órfãos da Romênia comprova que o abandono por tempo prolongado pode causar danos neurológicos em crianças. 

No início da pesquisa, no outono de 2000, a Romênia vivia os reflexos do regime de Nicolae Ceausescu. Para aumentar a natalidade e a mão de obra no país, o ditador proibiu o aborto, o uso de contraceptivos e cobrava altos impostos das famílias que não tivessem filhos ou dos que tivessem poucos. O resultado foi a explosão da taxa de natalidade, que aliado à miséria do país, levou milhares de bebês e crianças aos orfanatos estatais. Ao final do regime de Ceausescu, em 1989, quando foi executado pelo Exército, havia mais de 170 mil órfãos vivendo em 700 instituições superlotadas e precárias, que cresciam isoladas do resto da sociedade, eram frequentemente vítimas de castigos físicos e de abusos sexuais e algumas sofriam de desnutrição.

O estudo foi realizado pelo Hospital de Crianças de Boston, da Universidade de Harvard. Entre outros fatos, a pesquisa demonstra que crianças abrigadas por tempo prolongado, especialmente durante os primeiros anos de vida, têm déficits cognitivos significativos. Isso inclui diminuição de QI, aumento do risco de distúrbios psicológicos, redução da capacidade linguística, dificuldade de criação de vínculos afetivos, crescimento físico atrofiado, entre inúmeros outros sérios problemas, alguns deles irreversíveis.

Os pesquisadores americanos selecionaram 136 crianças entre 6 meses e 2,5 anos, abandonadas em instituições governamentais nos primeiros anos de vida, todas sem problemas neurológicos ou genéticos. Metade dessas crianças, escolhidas aleatoriamente, foi transferida para um abrigo de alta performance criado especialmente para este estudo e a outra parte permaneceu nas instituições precárias e superlotadas. Também foi selecionado um grupo comparativo de 72 crianças que nunca haviam sido institucionalizadas e viviam com suas famílias de origem.

Usando vários mecanismos de avaliação, entre eles exames de eletroencefalograma (EEG), que mapeiam a atividade cerebral, a linguagem e a cognição, os estudos descobriram que existem períodos sensíveis que regulam a recuperação. Ou seja, quanto mais cedo uma criança for colocada em cuidado especial, melhor será sua recuperação.

Embora os períodos sensíveis para a recuperação variam, os resultados do estudo sugerem que a colocação antes da idade de dois anos é fundamental.

“Aos 30, 40 e 52 meses, o QI médio do grupo institucionalizado apresentou pontuação entre 70 e 75, enquanto as crianças adotadas mostraram cerca de 10 pontos a mais. Não foi surpresa que o QI de cerca de 100 foi o padrão médio para o grupo que nunca ficou nas instituições”.

Outro dado relevante foi quanto ao período crítico de desenvolvimento:

“As crianças encaminhadas ao acolhimento familiar antes do fim do período crítico de dois anos se saíram muito melhor que os que permaneceram em uma instituição quando testadas mais tarde (aos 42 meses), em quociente de desenvolvimento (QD), medida de inteligência equivalente ao QI, e na atividade elétrica cerebral, conforme avaliação por eletroencefalograma (EEG).”

Os pesquisadores concluíram também que a maioria das crianças institucionalizadas apresentavam comprometimento nos vínculos afetivos:

“Apenas 18% das crianças institucionalizadas, 42 meses depois do acolhimento, conseguiram criar vínculos afetivos seguros, enquanto que as crianças que estavam em acolhimento familiar esse número chegou a 68%. Além do QI, observaram-se outras diferenças entre as crianças que viviam com famílias e as que viviam nas instituições, como atrasos no desenvolvimento da linguagem, problemas de relacionamento e até diagnóstico psiquiátrico (63% para os institucionalizados contra 20% dos que nunca foram institucionalizados). Os índices de depressão e ansiedade também foram o dobro nas crianças de instituições, e o volume cerebral bem menor do que nas que convivem em famílias.”

Outros estudos foram feitos, porém a conclusão foi unânime – crianças e jovens institucionalizados, privados de afeto, vínculos e estímulos, têm seu desenvolvimento geral comprometido, muitas vezes de forma irreversível

AMAMENTAÇÃO, APEGO E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Lana (2001) descreve que nos primeiros momentos após o parto acontecem níveis muito altos de ocitocina durante as mamadas. Este momento é chamado período sensitivo, pois é crítico para o estabelecimento do vínculo afetivo mãe e filho, e se não for aproveitado, este vínculo poderá não ser intenso. O período sensitivo é um momento em que a mãe está mais disposta e ativa na interação com o bebê e as crianças que usufruem deste período de maior sensibilidade da mãe tem seu desenvolvimento e personalidade favorecidos.

O contato mãe-filho neste período pode alterar o comportamento posterior da mãe com seu filho. Portanto o vínculo mãe e filho é um processo que deve ser iniciado logo após o parto o mais cedo possível. A amamentação fortalece o vínculo mãe e filho, pois é através dela que “nutrem-se seres em seus primeiros estágios de desenvolvimento e solidificam-se relações interpessoais, formando vínculos e condições que facilitam a sobrevivência e a caminhada em direção à maturidade” (COUTINHO E TERUYA, 2006, p. 5).

Além disso, é uma maior interação entre mãe e filho, pois o contato de pele após o parto e durante a amamentação exclusiva favorece o desenvolvimento do apego e reduz o índice de rejeição e abandono. As crianças com acesso a este contato precoce com suas mães após o parto são mais tranquilas, menos ansiosas e sofrem menos estresse causado pela separação do corpo materno. Muitas mulheres que amamentam por um período prolongado revelam que a relação com o filho é muito boa, diferente e intensa, sendo motivo de orgulho. E esse contato íntimo frequente e prolongado é que desenvolve um forte vínculo afetivo entre a mulher e seu bebê favorecendo esta ligação. (BERTOLDO E SANTOS, 2008).

“O vínculo mãe-filho, fundamental para o crescimento e desenvolvimento da criança, é fortalecido pela amamentação, que proporciona grande variedade de estímulos ao recém-nascido e interações mais intensas com sua mãe” (PEDROSO, PUCCINI, 2008, p. 45).

Além de ser uma importante ferramenta no processo do desenvolvimento de um padrão seguro de apego, a amamentação também se mostra influente no desenvolvimento cognitivo das crianças amamentadas.  De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Hospital Infantil de Los Angeles, na Califórnia (Estados Unidos), um carboidrato chamado 2’FL, presente no leite materno, consegue melhorar o neurodesenvolvimento dos bebês. Os pesquisadores observaram a frequência em que ocorria a amamentação e a composição do alimento para bebês de um mês a seis meses de idade. Ao fim de 24 meses, o desenvolvimento cognitivo deles foi medido usando uma padronização entre bebês e crianças pequenas.

Outro estudo, conduzido pelo Hospital Infantil de Boston, mostrou que bebês amamentados apresentam maior QI. Os estudiosos acompanharam mais de 1.300 crianças com três anos de idade. As mães foram questionadas sobre a amamentação, e se pararam quando o bebê completou seis meses ou 12 meses. Os bebês completaram os testes de inteligência padrão com três anos e depois com sete anos. Segundo os pesquisadores, crianças que foram amamentadas pontuaram mais nesses testes, mesmo levando em conta outros fatores que podem afetar o QI de uma criança. Os bebês que eram amamentados durante o primeiro ano de vida ganharam uma média de quatro pontos no seu QI, em comparação com os bebês que não foram amamentados. Essas crianças eram mais capazes de compreender o que os outros estavam dizendo-lhes (linguagem receptiva) aos três anos e tiveram inteligência verbal e não-verbal superior aos sete anos.

BEBÊS DE “BARRIGA DE ALUGUEL” NO CONTEXTO PANDÊMICO

Em maio de 2020 as autoridades ucranianas relataram que pouco mais de uma centena de bebês, nascidos através de contratos de “barriga de aluguel”, encontravam-se presos na Ucrânia devido aos impedimentos causados pela pandemia de Covid-19.

A Ucrânia é o país mais procurado por casais de várias partes do mundo para a realização de tal procedimento, já que a lei ucraniana permite acesso ao serviço da “barriga de aluguel” para casais heterossexuais que possam comprovar infertilidade causada por questões médicas. Com a pandemia de Covid-19 e as fronteiras fechadas, os bebês nascidos por essa via ficaram sob os cuidados dos centros de reprodução.

Até o momento não há estudos conhecidos acompanhando e não se sabe com exatidão como se dará o desenvolvimento dessas crianças e o impacto da falta de contato – e possivelmente responsividade – em seus primeiros meses de vida. No entanto, considerando os estudos mencionados anteriormente, é seguro dizer que o desfecho de tal situação pode ser bastante previsível.

CONCLUSÃO: POLÍTICA PÚBLICA E APEGO SEGURO

Ainda que as análises da formação dos padrões de apego e, consequentemente, no desenvolvimento psicossocial e cognitivo dos seres humanos sejam feitas a nível individual, observando relações entre crianças e cuidadores diretos – especificamente, mães -, não podemos deixar de analisar os elementos culturais que influenciam essas relações. Como no caso dos órfãos da Romênia, podemos observar como o contexto histórico, social e político podem afetar diretamente o desenvolvimento humano.

            Podemos perceber a importância significativa da construção de padrões seguros de apego e como esses padrões afetam diretamente todos os âmbitos das relações humanas. Considerando que os padrões de apego que desenvolvemos ao longo de nossas vidas são frutos do apego que recebemos na primeira infância, é de suma importância que cuidadores estejam não apenas dispostos, mas também preparados para serem tal referência. No entanto, esta tarefa não pode ser realizada de forma solitária, visto que a responsividade adequada demanda do físico, do psicológico, do emocional e, até mesmo, do econômico. 

Atualmente no Brasil é seguro dizer que as políticas públicas em vigor não atuam em favor daqueles responsáveis pelo trabalho do cuidado e criação – e, consequentemente, nem das crianças e futuros adultos. 

De acordo com o IBGE, 1 em cada 4 mulheres é vítima de violência obstétrica – o que contribui para o desenvolvimento da depressão pós parto e pode afetar negativamente o vínculo entre mãe-bebê. Ainda que existam algumas – poucas – leis estaduais que buscam diminuir esses números, não existe ainda uma lei federal que estipule critérios objetivos e materiais para que a violência obstétrica seja combatida de forma assertiva. 

A licença maternidade é de apenas 4 meses (podendo em alguns casos ser estendida para 6 meses) e a licença paternidade pode chegar até apenas 15 dias. Desta forma, torna-se inviável a presença e responsividade integral por parte dos cuidadores imediatos, além de dificultar o acesso das mães ao direito da amamentação, que como citado anteriormente pode ser uma forte ferramenta para o apego seguro. 

Cerca de 50% das mães são demitidas de seus empregos após a volta da licença maternidade, o que as deixa sem renda fixa e com a necessidade de recorrer a empregos informais, que demandam mais horas longe da criança (dados: IBGE).

Estima-se que o número de crianças sem o pai no registro é de cerca de 5,5 milhões – e o número de mulheres que exercem maternidade solo ou que se encontram em relações violentas, exercendo o trabalho de cuidado sem nenhuma rede de apoio, é imensurável. 

Com a sobrecarga da maternidade e a falta de políticas públicas que visam proteger os interesses de crianças e seus cuidadores principais, se torna inviável a criação de um ambiente seguro para que essas crianças possam se desenvolver. 

Desta forma, a escola se torna uma importante rede de apoio e, muitas vezes, a única acessível. Contudo, mais uma vez, nos deparamos com um sistema educacional falho, muitas vezes precário, onde a maioria dos profissionais não é qualificada – e não dispõe de recursos – para proporcionar o ambiente responsivo e acolhedor que essas crianças precisam. 

Paulo Freire caracteriza tal sistema educacional enquanto “bancário”, na qual

 “conteúdos são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação (…), em que uma das características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da palavra e não sua força transformadora” (FREIRE, 1968). 

Podemos concluir a partir da visão de Freire da educação que o sistema educacional como um todo não enxerga seus alunos enquanto seres humanos em desenvolvimento que necessitam de conexão, e sim como “receptáculos” a serem apenas preenchidos com informações fora de contexto, o que dificulta a construção de um pensamento crítico:

“A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão” (FREIRE, 1968).

Dentro de tal sistema, as necessidades afetivas e emocionais dessas crianças são severamente negligenciadas, deixando-as novamente desamparadas e, mais uma vez, impulsionando o cérebro a reagir com base em seus estímulos primitivos ao invés de desenvolver-se de forma mais abrangente. E não há um interesse iminente de proporcionar mudanças estruturais para que possamos romper com tal sistema, visto que

“Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos. Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores (…) Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”, e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine.” (FREIRE, 1968)

A escola retorna então ao seu papel primário do século XIX, na qual o único intuito é treinar e fazer a manutenção da classe operária. Observamos na sociedade a construção de um ciclo vicioso, onde padrões inseguros de apego são sustentados através de tal sistema para que, assim, as classes oprimidas se mantenham em suas posições de subordinação e servidão.

Piaget, assim como Freire, dialogava com a quebra deste ciclo, ao afirmar que “o principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram” (Piaget, 1970).

Ao falar sobre apego seguro Bowlby contribuiu com a formação de uma ideia perigosa: a de que seres humanos seguros de si e com maiores chances de desenvolvimento e amadurecimento emocional são capazes de ações e relações tão transformadoras, que se tornam uma ameaça diante de um sistema opressor.

É um fato que seres humanos, enquanto mamíferos, enquanto animais de bando, estão conectados uns aos outros e dependem uns dos outros das mais variadas formas. É através das nossas relações que somos capazes de sobreviver. O micro torna-se macro, o indivíduo torna-se coletivo e o pessoal torna-se político. Faz-se necessário olhar para nossas estruturas a partir de um viés multidisciplinar – buscar a conexão entre informações e, assim, transformá-las no conhecimento que nos transforma em reais agentes de mudança .

Compartilhe!