Violência obstétrica: o que é e como prevenir

Por Clarissa Roldi

Este é um assunto do qual me dói falar. A simples palavra “parto” causa em mim uma enxurrada de emoções que, infelizmente, são negativas. Sinto cada músculo do meu corpo se retorcer, cada nervo arder, e o choro sobe pela garganta junto com a bile. É um misto de tristeza, frustração e raiva. O que deveria ter sido o momento mais lindo da minha vida se tornou um trauma grande o suficiente para que eu desistisse de ter um segundo filho. 

Infelizmente, não sou a primeira nem a última mulher a sofrer violência obstétrica. No Brasil, ainda há muitas mulheres que são privadas de seus direitos e são brutalizadas nas salas de parto. Tratadas como se fossem uma ninguém. 

As lembranças machucam. Sinto um misto de náusea e falta de ar quando retorno àquele momento. A sensação é a de estar sendo sufocada. 

Para mim, é a terapia. Não posso voltar no tempo. O que eu posso fazer hoje é tentar levar informações para outras mulheres, contribuir para que as futuras mamães não comecem essa linda fase sofrendo, muitas vezes em silêncio. 

Mas o que caracteriza violência obstétrica?

Qualquer atitude médica que traga à mulher a sensação de desconforto, insegurança, ansiedade, ou até mesmo humilhação. As mais comuns são:

  • Buscar formas de agilizar o trabalho de parto sem necessidade – cesariana, episiotomia, uso de fórceps, rompimento forçado da bolsa, etc. 
  • Usar chantagem emocional para convencer a mãe a fazer o que o médico quer – “seu bebê vai morrer se você não me deixar fazer isso”, “seu bebê está em sofrimento e a culpa é sua”;
  • Xingar a parturiente;
  • Negar a cesariana quando ela se faz necessária;
  • Empurrar uma cesariana quando ela não é necessária;
  • Negar-se a proceder com atendimento caso a gestante insista no parto normal;
  • Negar atendimento emergencial a qualquer parturiente;
  • Negar o direito a acompanhante;
  • Empurrar a barriga para baixo (manobra de Kristeller);
  • Subir ou sentar em cima da barriga para forçar o bebê a descer;
  • Negar anestesia caso a parturiente solicite;
  • Dar anestesia forçada, caso a mãe tenha optado por não tomá-la;
  • Impedir que a mulher escolha a posição que quer parir;
  • Impedir que a mulher se mova;
  • Dizer coisas para “assustar”, como “você não pode gritar”, “você não serve para parto normal”, “nós não damos anestesia, vai ter que aguentar a dor”;
  • Negar um ambiente calmo e relaxante;
  • Tirar o bebê à força dos braços da mãe;
  • Separar o bebê saudável da mãe no pós-parto;
  • Fazer com o bebê qualquer coisa que a mãe não tenha permitido;
  • Impedir que a mãe amamente;
  • Exames de toque excessivos e feitos de forma descuidada;
  • Ignorar as reclamações de dor da parturiente – há casos de cesariana forçada em que a anestesia não pega e o procedimento continua.

Falar e fazer qualquer coisa que deixe a mãe desconfortável já caracteriza abuso. A obrigação dos médicos, enfermeiros e pediatras é garantir a saúde e bem estar da mãe e do bebê, e isso se estende à saúde psicológica e emocional. Não deixe que ninguém diga que “é assim mesmo e não vale a pena brigar”. Não se conforme. 

É um momento de amor, de renascimento, de descobertas. Ninguém tem o direito de tirar de você as alegrias do nascimento de um filho. 

Por isso, deixo aqui algumas dicas de como evitar a violência obstétrica:

1. INFORME-SE 

Você sabia que em São Paulo já existe a lei do parto humanizado? Desde 2015 todos os hospitais de SP já são obrigados por lei a realizar o parto de forma humanizada – inclusive pelo SUS! É A Lei nº 15.759, de 25 de Março de 2015, que abre o 1º artigo dizendo que “toda gestante tem direito a receber assistência humanizada durante o parto nos estabelecimentos públicos de saúde do Estado.” Além disso, é direito constitucional da parturiente ter um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto – Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. São leis que garantem que não nos neguem anestesia e que não impeçam a presença do acompanhante, dentre outras coisas de extrema importância para uma parturiente, mas que muitas vezes são negadas. Saber que a lei está do nosso lado nos dá mais confiança para exigir que os médicos a sigam. 

2. FAÇA UM PLANO DE PARTO

Ter um documento formal, redigido e revisado, feito com a ajuda dos profissionais do seu pré-natal, torna tudo mais fácil. É uma forma de fixarmos nossos direitos na nossa cabeça, o que queremos e o que não queremos. Claro, as coisas podem nem sempre sair do jeito que idealizamos, mas o plano de parto ajuda para que os médicos pensem duas vezes antes de fazer uma episiotomia desnecessária ou uso de práticas arcaicas comprovadamente ineficazes, como a manobra de Kristeller.

3. ESCOLHA UM ACOMPANHANTE FEROZ

Para te acompanhar nesse processo, escolha alguém que vai rodar a baiana e fazer barraco com qualquer um que tente ir contra os seus desejos nesse momento. Busquem sincronia – informe a pessoa sobre seu plano de parto e certifique-se de que ela também tem informações sobre as leis referentes ao parto e direitos da gestante. Escolha alguém em quem você confia para falar por você. O parto pode ser um momento confuso e cheio de dor, onde você vai estar vulnerável e pode não ser capaz de reagir quando necessário. Sim, eu sei que você quer o pai do seu bebê, ou a sua mãe, irmã ou melhor amiga. Eu gostaria muito de dizer que é um momento para dividir com quem a gente ama. Mas, infelizmente, precisamos pensar primeiramente na nossa proteção – e caso alguma dessas pessoas esteja disposta, melhor ainda! Mas se não for o caso, pense em alguém que possa dar a você esse tipo de auxílio. 

4. PEÇA AO MÉDICO QUE ASSINE UM TERMO DE RESPONSABILIDADE

Uma ferramenta pouco comum, para ser sincera nunca vi ninguém fazendo. Mas quando alguém assina um documento se comprometendo a algo, normalmente a pessoa se vê mais compelida a cumprir com o acordo. 

5. FILME O SEU PARTO.

Muitas mulheres sofrem em silêncio porque violência obstétrica é um crime difícil de provar. Apenas a palavra de um contra o outro pode não ser o suficiente. Filmar o parto já é uma prática comum, pois todas queremos ter esse momento especial gravado. Reforçar essa prática é importante porque é mais um incentivo para que o médico não faça nada de errado – afinal, a filmagem é uma prova irrefutável. Caso o médico diga que filmar não é permitido, reforce o quão ciente dos seus direitos você está. Não há lei nenhuma que proíba esse registro. 

Fecho esse pequeno “abrir de olhos” com dor no coração. Para mim é absurdo ver que essas medidas se façam tão necessárias. Que ainda há o medo de abuso no parto. Eu sonho com o dia em que mulheres não precisarão mais ter esse medo, para que todas tenham o coração leve no caminho da maternidade. Espero que esse texto chegue ao máximo de mulheres possíveis e que eu possa, de alguma forma, ter sido útil. Caso precise de um guia, deixo aqui um modelo dos documentos citados acima (plano de parto e termo de responsabilidade).

6. SE POSSÍVEL, TENHA UMA DOULA

Apesar de ser um serviço que não é acessível a todas, a presença da doula reduz consideravelmente as chances de ocorrer violência obstétrica. Em alguns estados brasileiros, as doulas já fazem parte das equipes do SUS. Procure se informar sobre na sua cidade e, se possível, contrate uma. 

A todas as futuras mães, desejo sorte e muito amor. 

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